Entrevista com Fábio Fabrício Fabretti
Por Derek Corrêa
Dotado de um nome bem incomun - se assim o posso descrever - ou bastante comum, para poder lhe render um status de escritor. Fábio Fabrício Fabretti, ou FFF, para os íntimos, escritor nascido no paraná em 73, veio para o Rio de Janeiro, ainda novo, fugido e reside na capital desde 93. É escritor fora dezenas de outras funções que o classificam num meio, às vezes sombrio, às vezes acadêmico. Fábio me condeceu uma entrevista falando sobre seu novo livro e sobre sua visão de jornalismo, em específico: Gonzo.
Derek Corrêa – Fábio, depois de antologias publicadas com outros autores, e obras escritas em parcerias, você lançará um romance inédito. Pode falar sobre ele?
Fábio Fabrício Fabretti - Meu romance é sobre suicídio, mas o assunto central, por incrível que pareça, não é a morte, e sim a vida. Ainda não sei se será lançado na Flip — Feira Literária Internacional de Paraty — ou na Bienal, este ano. Foi uma proposta da Editora Giostri. Entre tantos trabalhos, escrever um romance sempre foi um objetivo, mas nunca consegui parar tudo e me dedicar. Só após assinar o contrato com a editora, que não tive escapatória. A trama germinava há tempos em mim. E os personagens me assombravam. Digamos que seja uma ficção com muitas referências pessoais. É sobre um escritor que realiza uma busca, confrontando-se com a morte a cada instante, em meio a crises existenciais. Um amigo o qualificou como uma comédia negra, onde, ao contrário do normal, começa pela morte e segue para vida. Um leitor viu a sinopse e ressaltou que é um livro de alguém que busca a si mesmo. Seja como for, tem questões patológicas com as quais todos nós nos confrontamos um dia. E minha intenção é trazer certa reflexão sobre o desejo de viver e morrer. A morte é um tema que muito me interessa, sempre presente em meus textos, e a estudo desde cedo. Quem nunca pensou em se matar? Quem nunca temeu morrer? Buscamos a morte em todo momento, e nem nos damos conta disso. Afinal, a morte é um assunto dos vivos!
DK – Você lançou seu primeiro livro para crianças, na Alemanha, e agora há um segundo infantil, novamente interligando Brasil e Europa?
FF - O editor Alex Giostri me convidou para construir um infantil, parte do seu projeto editorial vinculado à comemoração do Ano da França no Brasil. São dez livros lançados em versão bilíngue, franco-portuguesa, aqui, na França e na Bélgica, até o momento. Depois de O mistério dos livros, relançado este ano pela Editora Catedral das Letras, criei O mundo rosa de Amarelino. Inventei nas férias, na fazenda, quando encontrei uma pequena prima que vive distante e adora rosa, Sofia. Os olhinhos dela brilharam com a história. Quando lhe enviei a história escrita, tempos depois, soube que ela levou à escola e sua professora leu para os alunos. O livro é uma louvação à diferença e à amizade. Quando era adolescente, lembro-me que moramos num certo tempo na cidade interiorana de Pato Branco, no Paraná, e quando vi um único casal negro perambulando pela rua, levei um susto. Foi um choque descobrir o meu choque. Saber que pertencia a um elitizado e sulista grupo racista. Em Maringá, na minha infância, a maioria dos alunos da minha turma era composta por descendentes de japoneses. Ou seja, cresci em meio a esse multiculturalismo de pessoas. Em minha visita recente a uma tribo indígena, em Mato Grosso, percebi o quanto os índios estão miscigenados. Na Europa, vi a força da influência externa nos novos cidadãos europeus. E hoje, vivo no Rio de Janeiro, onde a etnia, como digo aos meus alunos, é um arco-íris. A raça brasileira é uma não-raça, pois temos todas as cores, formas e culturas num só povo. E quis contar isso na mágica estrutura de um livro infantil.
DK - Você é um autor ficcional adulto e infantil, que também faz biografias. Está escrevendo sobre a atriz Glória Pires?
FF - A biografia me atrai, porque é outra forma de contar história. Desde que trabalhei com o Ítalo Moriconi, na publicação póstuma das cartas do escritor Caio Fernando Abreu, esse universo me sugou e aflorou o meu lado jornalístico. Glória Pires é uma das atrizes de maior relevância na dramaturgia brasileira e mundial. E sua vida é um exemplo de determinação e conduta. Ela é uma mulher forte, heroína da vida real. O roteirista e escritor Eduardo Nassife mantinha esse projeto há quase dez anos, e me convidou a integrá-lo. É uma honra participar de Quarenta anos de Glória. Embora Eduardo já tenha um maravilhoso e impecável acervo sobre ela, nosso processo final tem transcorrido através de fabulosos encontros, quando Glória vem ao Brasil ou via internet. A previsão de lançamento é este ano também, na comemoração dos seus quarenta anos de carreira. Será importante para nós, brasileiros, homenagearmos a nossa Glória.
DK - Como escritor, o que o jornalismo chamado Gonzo trouxe de bom para o novo jornalismo?
FF - O jornalismo é o sensacionalismo da notícia, como o próprio nome diz. E gonzo simboliza aquilo que se desdobra. Um estilo criado por Hunter S. Thompson, que desfoca o tema da matéria e o autor intervêm como sujeito no texto. O autor vira o próprio personagem. É um desdobramento do jornalismo, que acaba sendo parte e/ou ajudando a construir o chamado Novo Jornalismo. O novo é inevitável em nosso mundo contemporâneo. Tudo o que é inovador tem dois lados: é interessante, curioso e atrativo, mas também julgado, ignorado e até desprezado. Ser vanguarda sofre, dizia uma amiga escritora, Virgínia Cavalcante. As pessoas se incomodam com o novo, porque quebra as regras. E nem todos querem ou estão preparados para isso. É exatamente como num programa de tevê, quando a diária novela ficcional tem o mesmo ibope dos realitys shows. Em meu novo romance, por exemplo, causa certo estranhamento a limítrofe distinção entre o real e o imaginário dos personagens. As pessoas são condicionadas a ler o mesmo a vida toda, a comprarem produtos, a consumirem, engessadas. As histórias com tempos psicológicos e não cronológicos — uma inovação de Machado de Assis — ou o rompimento da estética do começo, meio e fim — quebrada por Clarice Lispector — mostram bem isso.
DK - Como Hunter S. Thompson, quais outros jornalistas e escritores modernos e brasileiros escreveram de modo despojado?
FF - Hunter S. Thompson foi um jornalista junkie, bon vivant, um Bukowski ou Sérgio Sant'Anna na versão jornalística. Sobre outros escritores, quanto ao formato fora do lugar comum, ressalto os precursores da crônica e seus autores como João do Rio e Rubem Braga, estilo literário que surgiu do ninho jornalístico e se tornou um gênero à parte. Na crônica, o autor expõe um fato real e opina sobre, como fazem tão bem atualmente Martha Medeiros, João Ximenes Braga, Arthur Xexéu e outros. O próprio Arnaldo Jabor é um bem-humorado e inteligente cronista oral na mídia televisiva. Na literatura ficcional, Nelson Rodrigues foi/é meu orgulho principal. O cara aproveitou toda a dramática e sangrenta bagagem que colheu ao longo dos anos, notificando matérias em portas de delegacias suburbanas, e criou uma obra que, para mim, não deixa de ser biográfica, porém de uma forma diferente, no plano ficcional. Até a sua tragédia pessoal pode tê-lo ajudado inconscientemente nesse processo, acredito. Na tevê, nos deparamos com o novo despojamento jornalístico em que os apresentadores palpitam sobre as matérias, muitas vezes com ares de aprovação ou indignidade, mesmo que sutilmente, como o fazem Fátima Bernardes e William Bonner. E até nos leves bate-papos de outros apresentadores, sobre os temas expostos. A precursora desse movimento do jornalista se mostrar existente e pensante, muito além de um mero reprodutor robótico da notícia, começou com a clássica Lílian White Fibe. Sem esquecer os paparazzis — que em italiano significa perseguidores — que se enquadram na tola e vulgar máfia especulativa da ilustração, que era apenas complementar ao jornalismo e hoje virou um negocio à parte.
DK - Você acha que o jornalismo gonzo sobrepujou o jornalismo tradicional?
FF - Não sejamos exagerados ou injustos. O jornalismo tradicional ainda sobrevive, em menor escala, talvez. O gonzo não se tornou tão popular assim. Quem sabe ainda chegue lá. Mas é importante ele existir e continuar. Fórmulas existem para fazer remédios e receitas para assar tortas. Não vamos confundir a palavra tradicional — metódica, velhaca, fechada ao novo — com o clássico, original, o estado puro, com tendência ao desenvolvimento. Cada coisa ocupa o seu lugar. No entanto, é inegável que o novo é mais atraente e livre, e solta os grilhões do passado. Descoberta é isso, fazer o coração pulsar em outro ritmo. E a originalidade está nesse encontro.
DK - O que você acha sobre a mistura ficção/realidade em jornalismo?
FF - Explosiva. Necessária. Irremediável. Não posso deixar de citar a maestria literária de Truman Capote, que abusou das fronteiriças jornalísticas e literárias e trouxe a obra biográfica, hoje tão aclamada. E novamente Nelson Rodrigues, que partiu do jornalismo à literatura. Essa fusão orgasmática é verossímil para a arte, e ficcional para a verdade. Afinal, a realidade é o alicerce para toda construção artística, ponto de partida para a ficção e o despertar da criatividade, seja um fato, uma palavra, uma imagem ou uma pessoa... Autores de teledramaturgia também se pautam na realidade. Aguinaldo Silva fez uma das maiores novelas modernas baseando-se num fato real, em Senhora do Destino, como Gilberto Braga, que abordou a tendência das celebridades, e Glória Perez, trazendo as causas sociais, posteriormente imitadas por Manoel Carlos. A arte reproduz a verdade em sua inverdade. E há aquele exótico e vanguarda jornalista europeu — cujo nome não me lembro agora — de algumas décadas passadas, que mudou de sexo e registrou num livro a sua experiência transexual, continuando a atuar na mídia. Num texto literário, a presença do autor é imprescindível ao decorrer do discurso, direta ou indiretamente, mas no jornalismo ela é praticamente camuflada quanto à sua opinião, visto que o profissional do jornal tem um comprometimento com a verdade e sua narração deve soar impessoal. Já o escritor ficcional tem o livre arbítrio de criar mundos, pessoas, histórias, de materializar suas concepções através da trama e dos personagens, seja na narrativa direta ou indireta. Ele não se compromete com o real ou a verdade, embora parta dela.
DK - A forma como é escrita uma matéria ou um livro tem realmente influência em seu modo de ser lido?
FF - Sempre. A linguagem é o tijolo que levanta o texto. Embora o jornalista não possa opinar ou se expor em seus textos, ele tem o pleno poder — e a técnica — de fazê-lo, conduzindo o leitor a assimilá-lo. Ora, cada autor escreve conforme sua perspectiva, e isso é indubitavelmente absorvido por quem o lê. Porém o que é a verdade? A verdade é aquilo em que se acredita. Cada um possui a sua versão de um fato, baseando-se em seu ponto de vista. Como diz Leonardo Boff, "o ponto de vista é a vista de um ponto".
DK - Você acha que existe uma barreira grande entre o jornalismo e a literatura?
FF - Não diria que são barreiras, e sim diferenças. Universos paralelos. O texto jornalístico é rotulado como não-literário, no sentido acadêmico, pois contém elementos como a realidade, a brevidade, a informação e a linguagem formal. Já a literatura faz parte dos textos ditos literários, que trabalham com a imaginação, a eternidade da obra e a linguagem poética. Mas ambos são culturais e documentais, cada qual em seu departamento, e lidam com a arte da palavra. O instrumento do jornalista e do escritor é o mesmo: a palavra. Os meios é que são opostos. E, mesmo assim, em algum ponto, se confluem. Escrever é sempre escrever, usar a palavra como forma de expressar ideias e registrar histórias, sejam elas verídicas ou inventadas.
DK - O que, evidentemente, faz com que uma notícia ou um livro seja atraente ao leitor?
FF - Isso é relativo. Há quem se atraia somente pelos assuntos de seu interesse. Outros, podem se interessar por algum tema desconhecido justamente pela boa escrita. O que sei é que, quanto mais próxima da verdade e condizente com a técnica a notícia estiver, melhor. E quanto mais original e bem escrito um romance for, também. Uma boa notícia de jornal é como uma boa história romanceada, deve ser bem contada e saciar e acrescentar ao leitor. Nunca me esqueço de uma frase que a escritora Hilda Hilst me falou: "O escritor não deve ter medo da verdade". De dizer a sua verdade. Sem ela, ele não é de verdade. Penso agora numa brincadeira, em que o jornalismo é a seriedade da escrita divertida. A literatura ficcional é a diversão da escrita séria. E o gonzo são os guizos que tilintam em meio a essas artes!
Do site: Germina Literatura
11 de julho de 2011 às 00:47
Ninguém pode estar tão ansioso para ler "Matadouro", de Fábio Fabrício Fabretti, quanto eu estou. Não vejo a hora de deitar olhos sobre ele. Fico pensando no suicídio, em "Death of Author" (Barthes) e fico cada vez mais curioso para ler o tão esperado romance. O primeiro capítulo já deve ser de arrepiar! Na expectativa!