Conto



Por Derek Corrêa

A sensação da alegria, ah, a divisão da alegria! Relembro-me como se fosse ontem ou mesmo hoje, em plena aurora do dia. A sinfonia, a mais bela que já ouvi de Mozart em minha vida, não parava de reboar em minha mente; dilaceravam já meus miolos. Penso porquê de algo tão reconfortante e belo estar em minha mente em situação tão lamuriosa. Era meia noite, eu escrevia um poema de amor mais uma vez de tantos já escritos em minha ínfime vida. Perguntava-me já: “Quantas vezes mais irei tocar a pena no papel, essa última já não basta?”. Mas não, a paixão sempre me cegou e cegava-me naquele instante a ponto de após o rompimento do relacionamento eu estar ali reivindicando algo já perdido para o destino.

Eu me sentia perdido, e culpava a sua ausência em minha vida. Blasfemava a vida em teu nome; qual pecado mais odioso? Sentir-me sozinho era o sintoma de que não conseguiria viver sem ela. Naquela noite, em prantos desperdiçados em uma calçada da orla, eu deixei flores, bombons e uma última súplica em forma de palavras em frente a seu prédio.

Os dias passaram e nada de respostas. O que mais me magoava eram as palavras sem serem descobertas da carta. Era como se eu gritasse em um poço sem fundo: só ouviria meu eco, só, eu.

Pensava eu que paixão era algo superestimado, ninguém leva às últimas consequências como eu. Foi então, que subitamente em um momento corriqueiro de minha vida, enquanto passeava por uma avenida perdido, que me deparei com seu semblante iluminado, estava a pegar um táxi. Me lembro de nossa última conversa como se estivesse ao meu lado agora mesmo, a falar, a dizer, a suspirar:

- Se você – comecei eu a falar vagarosamente ao me aproximar do carro e pôr as mãos na porta, impedindo-a de ir-se -, que representa tanto para mim, se fores, não tenho mais por que permanecer como um corpo inerte no mundo. Quero sua mão sempre junto da minha e com isso ter tudo, pois eu sei que se estiver ao seu lado tudo é possível.

- Não sei se devo participar dessa sua loucura de amor. – ela enfim dizia-me, confusa em suas palavras vagas – A juventude ainda está no meu encalço. Admito, tivemos um lindo começo, mas esse livro deve chegar a seu fim, como todo romance tem seus últimos parágrafos.

- Se é realmente para se ter um fim, por que não um recomeço, uma continuação do que mal começou? O fim só existirá se der-se nele um ponto final.

- Pois então deixe que isso seja nosso ponto final.

Suas últimas palavras foram duras demais para mim. Como eu compreendi tal discurso nunca saberei, só sei que dali nós nunca mais nos vimos, se vimo-nos fora como meros desconhecidos, fato é que não sei afirmar se a vi depois daquilo. Com aquelas palavras ela simplesmente confirmou minhas conjeturas sobre amor utópico, platônico, para o diabo com os poetas! Filósofos e todos os crentes de uma civilização perfeita. São todos uns párias para mim. Que não sabem o que é a vida como ela é: sem significado algum. Então, no instante em que minhas lágrimas começavam a desfalecer de dentro de mim à imagem da salta que eu nunca poderia tocar, eu comecei a divagar seu futuro, algo do tipo seguir em frente, ser alguém no mundo, como qualquer outro, casar talvez, ter um trabalho; mas no momento qual era o futuro para mim? “Vou me recuperar e seguir em frente” seria um conselho arguto a ser dado do melhor amigo. Mas o que eu realmente eu pensava era que um sonho, um devaneio que fosse, nunca poderia ser concebido, o mundo não é feito de mares de rosas.

Mas eu sou poeta, e como bom poeta hei eu de levar tudo a seu extremo, até que minha vida seja ameaçada. Para um poeta viver sem amor é o mesmo que não ter ar para respirar.

A chuva retesava meu espírito ainda mais do que se podia. Meu coração estava crispado a ponto de enfartar a qualquer momento. Ela com sua cara dócil – como poderia detestá-la mesmo me desprezando? – tentava terminar tudo de forma a que ambos não sofressem, típico das mulheres digo eu. Agora ela passava a evitar-me, imagina! Alguém que já dividiu a cama comigo; a alma; já fomos um só ser no encontro de nossas línguas. Não aguentei, que Deus me castigue, ela me fitando de soslaio, esperando somente pela minha partida. Xinguei-a! Sim, xinguei-a. Vil!

- Deixe-me em paz! – ela gritou.

- Não posso, não consigo, deixe-me desabafar, suplico-te.

- Não, não quero mais nada com você, te odeio, não te amo mais, desprezo-te, desprezo-te!

- Não importa-me, eu não ligo nem se tu não estiver mais pensando em mim como ser, poderás saíres até com outros que não ligarei. Parece estúpido, eu sei, mas, sinceramente: eu te amo.

Naquele instante parecia que tinham congelado o tempo. Nós dois nos olhamos e congelamos, tudo ao nosso redor ficou negro ou qualquer que seja a cor, não importava, tudo tinha parado e não completava nada a não ser nós dois, no obscuro âmago da vida. Dois sussurros se olhando, porque não compreendiam o sentido da palavra amor. Ela deveria estar pensando o quão sério eu levava as coisas. Simplesmente eu deveria estar cansado de tudo e escolhi-a como pedestal para louvar a vida inteira. Provavelmente foi por isso que eu não tinha o que falar nem ela. Ficamos pensando no que havíamos dito. Eu, por outro lado, só estava interpretando meu ser no mundo, o poeta perdido de amor pela lida e formosa atriz de cinema que está menos para vida como para seus amores. Realmente; eu simplesmente não conseguia esquecer o fato de algo tão bom na vida tivesse começado e terminado tão cedo como fora, sequer sabia a razão para seu término.

- É só isso que tenho a lhe dizer. Mas esse “só”, para mim significa tudo em minha vida, a todas as coisas que a que tenho remorso a nosso respeito quanto à vida conjugal. Tem realmente que acabar todas as coisas lindas que Deus faz na terra, até mesmo as que suas crias fazem? Por que a linda borboleta só tem vinte quatro horas de vida nessa imensidão de terra que é o nosso planeta? Por que o amor nunca durará eternamente, o nosso, o de talvez todos os seres? Eu só queria dizer-te que hoje em dia eu simplesmente não consigo te esquecer.

E ainda estou a remoer essas palavras.

Acho que o impacto de minhas lágrimas dissonantes eram vívidas e intensas demais para a situação em que ela se encontrava. Queria ela, ou eu se estivesse em seu lugar, fugir, me esconder; aquelas palavras cansavam-na com certeza. Meu egoísmo, no instante refletido daquele momento, somente pensava que ela era ingênua demais para pensar na vida. Talvez estivesse certo, talvez eu quem estivesse errado desde o início.

- O que você quer dizer com isso? – ela perscrutava-me.

- Dê-me sua mão, deixe-me explicar – nos aproximamos e, acariciando sua mão crispada sobre a minha, esqueci de tudo o que éramos naquele instante, parecíamos um casal recém conhecido. Olhei nos olhos dela e continuei: - Isso, isso que nós estamos sentindo quando estamos conectados é paixão, isso é a melhor coisa que existe no mundo. Agora, o que isso se tornará quando levarmos para nossos corações esse sentimento se chamará amor. É simplesmente algo inexplicável e sublime ao mesmo tempo. Nesse sentimento, nesse estado de espírito, as pessoas se sentem fortes e são capazes de tudo – se estiverem realmente sobre efeito deste remédio. Isso poderia se comercializar, não acha?

Ela então riu-se como uma criança quando paparicada por seus pais. Foi um gesto simplesmente ingênuo e belo. Este sorriso de felicidade recíproca era sinal de que entendia o que eu lhe dizia. Então eu continuei:

- Não é por que um dia as coisas foram ruins que não possam melhorar como uma vez foi. Eu não acredito nisso, esse sentimento que acabei de lhe descrever renova a alma das pessoas, acho que ninguém consegue ser uma ilha a vida inteira, não dá para fecharmos nossos corações e não deixar mais ninguém entrar depois de algum tempo, não dá. Pode parecer bobo, e é, mas por incrível que pareça você tem algo meu que talvez eu nem quisesse te dar, mas você me deu algo e com isso te dei isso que só eu podia dar de mim. Você, em troca, somente me deu minha felicidade.

- O que tu me deste?

- Meu coração. Eu juro que tentei levar a vida depois de terminarmos, mas mesmo que não tenhamos o mesmo sentimento que tivemos um dia eu ainda quero ter esta felicidade que só consigo ter quando estou ao seu lado.

- Acho que me sinto nua ao seu lado, e ao menos nos conhecemos.

- Não suma. Eu me odiarei, sim, a mim, por ter perdido você de minha vida.

- Para você amar não existe, parece que para você tudo é um extremo absurdo, que amar se acontecer é lindo. Mas a vida existe, e nós existimos, o amor existe e você, dentre bilhões, veio à vida. A vida segue, é como andar para o horizonte: siga também. Mas nunca, nunca descreia de que se tornará inútil viver, ainda mais por outro ser.

Olhei nos fundos de seus olhos e beijei sua fronte. Ela beijou-me nas lábios graciosamente, com somente seus lábios carnudos encostando nos meus. Enquanto isso as mãos se desfaziam sutilmente; iam se desgarrando como se estivessem presas uma a outra.

- Te tornei minha rainha por engano! – gritei para ela ouvir, mas já era tarde demais, ela já havia partido. Porém, concluindo meus pensamentos disse o que hoje não entendo com precisão o que quis dizer no momento. Ah, no momento eu estava divinamente inspirado: “Azul... és uma cor tão linda quanto o vermelho: o amor. Talvez devêssemos ter o amor azul e não vermelho. Seja azul, amor.”

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